Psst… Vou contar-vos um segredo…

… Eu sou a minha maior cliente. E sou também a minha maior inimiga. Não digo “melhor” e “pior”, porque há aspectos bons e menos bons à mistura. Basicamente isto quer dizer que sou a primeira a usar o que faço (na pior das hipóteses, se ninguém quiser um caderno, quero eu, e não se perde tudo). Quer dizer que penso e faço as coisas de acordo com o meu gosto e necessidade, ou seja, procuro não fazer nada que não fosse eu mesma capaz de usar – nem que seja no momento, porque posso deixar de gostar de um dia para o outro, e o contrário também é verdade. Isto não é uma ciência exacta… Quer também dizer que reparo em todos os detalhes e defeitos que sei que decorrem do facto de se tratarem de objectos artesanais, – mas não é pelo facto de o saber “racionalmente” que o interiorizo e o mantenho sempre presente. Tenho que me lembrar constantemente que são normais, porque ninguém é uma máquina (e ainda bem), e é por isso apenas natural que a precisão não seja nanométrica. O que também não quer dizer que não tente, certo? Quer ainda dizer que, antes de terminar alguma coisa, tenho já não sei quantas mais a fervilhar na cabeça.

Ora isto, a juntar ao facto de sofrer de procrastinação crónica e de um caso bicudo de idiotice galopante (que é uma forma nada simpática para mim própria de dizer que tenho o cérebro em ebulição, sempre a gormitar ideias, muitas das quais nem tempo ou espaço têm de se revelar razoáveis ou péssimas), resulta em momentos mais frequentes que o desejável de paralização pura e simples. Ter uma actividade paralela quando se tem um trabalho “normal” a tempo inteiro, e onde qualquer semelhança entre as duas “realidades” é mera coincidência, não é para qualquer um, dizem. Resta saber, e é isso que estou em vias de descobrir (sempre “em vias de”), se eu sou um “qualquer um” que tem o estofo necessário para isso, ou se sou um “qualquer um” que terá estofo para outra coisa qualquer que não essa. É que lá por eu não querer ser condescendente comigo mesma, – ou aliás, querer mesmo ser um pouco bruta com a minha pessoa, – não quer dizer que ache as coisas assim tão simples, e que se pode resumir tudo a verdades absolutas que cabem em frases bonitas de meia-dúzia de palavras com imagens de fundo igualmente inspiradoras, passíveis de serem partilhadas nas redes sociais até à exaustão, e que fazem qualquer um parecer imensamente sensível e até, alto lá!, profundo. Não. As coisas podiam ser assim tão simples, tão básicas, mas não são. Não somos. São dinâmicas, mudam como o tempo muda, e o cérebro não é essa coisa fixa, rígida, que pode apenas progredir em direcção à degradação a partir de certo ponto (leia-se “idade”).

Arte do melhor possível @Gulbenkian_1aaTanto blá-blá-blá para dizer que (também) a Amarelo Torrado é todo um processo de descoberta, de auto-descoberta, de tentativa e erro, e que por mais perfeccionista que eu tenha a pretensão de ser, se há coisa que já percebi há muito tempo, e nem foi preciso experiência própria, ou amadurecer, ou seja o que for, é que a perfeição não existe. Podemos ser perfeitamente imperfeitos, talvez. Resta interiorizá-lo e avançar mesmo assim. Há algum tempo que procuro cultivar a arte do melhor possível, em vez da arte impossível da perfeição. Infelizmente, esqueci-me de arranjar coragem para o tatuar na testa, o que também não seria muito eficaz porque não olho assim tanto para o espelho e, despistada como sou, não ligava grande coisa… à coisa. Tenho-o apontado num caderno algures, mas está perdido no meio de não sei quantas outras palavras e frases, e portanto o efeito é mais ou menos o mesmo…

Continuando, este é mesmo um processo de tentativa e erro, como já disse noutras ocasiões, e porque não ando a fazer de conta que sei tudo e que tenho controlados todos os detalhes e muito bem delineados todos os passos, cá estou de peito aberto a partilhar demasiada informação. Imagino que seja demasiada informação, porque assim de repente, em dois ou três parágrafos, devo ter quebrado umas quantas regras da criação de um negócio que não se queira matar logo de início. Partilhar a caminhada é importante antes de mais para mim: feita de pequenos sucessos e de bastantes erros, e sei lá quantas hesitações, sou eu a primeira beneficiária de vir para aqui divagar desta forma, porque dizer as coisas em “voz alta”, escrevê-lo preto no branco, torna muito mais difícil fazer de conta que não se passa nada, e que o compromisso é apenas comigo. Não é. Repitam comigo: “accountability”. No fundo no fundo, isto é um convite a que me dêem tau-tau à vontade. Virtualmente, claro, que não sou masoquista. Ou nem tanto assim. De qualquer forma, espero, e espero mesmo, que mais alguém beneficie da coisa, e digo-o da forma mais egoísta possível. Partilhem! Façam-me companhia, dêem dicas, vamos afogar as mágoas junt@s! Como diz o outro: “misery loves company”…

Uma das minhas principais dificuldades advém precisamente da minha natureza… como dizer? Chamemos-lhe dúplice ou mesmo tríplice, ou para não dificultar e deixar de me armar aos cucos, múltipla mesmo. Como acho que todos temos, com variantes claro. No meu caso, procrastinadora me confesso, perfeccionista (admito sem vaidade, que não é caso para isso mas antes para uma sessão no “divã”), divagadora por vocação, “natural born idler”, ociosa no sentido do termo mais histórico, enfim, criativa, eterna aluna, a desorganização em pessoa. Caótica e ainda “falsa calma”, como tenho ideia que alguém já me disse um dia. Disfarço bem, portanto. Mas paradoxalmente, acho que as coisas não são incompatíveis. Não é suposto sermos totalmente lógicos, só razão sem coração ou vice-versa. O ser humano é naturalmente contraditório. E fá-lo sem grande esforço. Chamemos-lhe vocação. Mas é também cheio de potencial para tudo e mais alguma coisa; resta saber o que decide fazer em relação a isso. Mas adiante… Em resumo, não tenho conseguido gerir bem o meu tempo e conjugá-lo com a energia que me sobra ao fim do dia. Mas não posso – não quero – dizer que “não tenho tempo”. Tenho sim é que usá-lo melhor. Tanta gente com menos tempo que eu e que o consegue usar de forma bastante eficaz. É que há tanto para aprender, explorar, experimentar… tanta coisa que quero ainda fazer. Recentemente, por exemplo, descobri a caligrafia. Mas para evoluir, preciso de mais tempo, pois está claro!

***

Um dos primeiros passos para baralhar tudo e voltar a dar, uma e outra vez e as que forem necessárias, é o de contrariar essa minha natureza, ou aliás, esta minha natureza (não serve de nada e não é um bom princípio referir-me a ela, a mim própria, como uma entidade estranha, exterior a mim), é a de enfrentar o terror que me provoca esse bicho-papão também conhecido por “Agenda”. Há uns meses atrás decidi usar uma, finalmente, mas com um twist. É que a agenda típica é demasiado pré-formatada, rígida, pouco flexível e adaptável. Não é como se eu tivesse uma semana preenchida por reuniões e afazeres pontuais com hora marcada e duração definida. Esse twist é um sistema que é mesmo a minha cara, salvo seja, com a vantagem de poder usá-lo com qualquer caderno. Um caderno liso, pautado, quadriculado ou pontilhado, grande ou pequeno ou assim-assim, simples ou cheio de rocócós, e uma caneta. E pronto, é o mínimo indispensável para começar. Esse sistema é conhecido por “Bullet Journal” e foi criado pelo Ryder Carroll, que fez o favor de o partilhar free-of-charge com o mundo, e com esse acto de generosidade criou um movimento, ou mesmo um monstro. Tenho ideia que por estas bandas é ainda relativamente desconhecido, mas lá por fora transformou-se num autêntico fenómeno. Basta uma pesquisa na internet para encontrar um porradão de vídeos, tutoriais, blogs, comunidades nas redes sociais, negócios grandes e pequenos, tudo à volta do conceito da “agenda-bala”, como carinhosamente chamo a minha. É muito fácil inspirarmo-nos e também perdermo-nos com o mundo de possibilidades que cresce diariamente à volta duma ideia à partida tão simples. Mas é isso que torna uma ideia genial. E o sistema do Ryder Carroll é mesmo genial de tão simples: pode ser tudo o que nós quisermos, e adaptar-se a nós como uma luva.

Por enquanto, fica aqui um cheirinho do que será um próximo blogpost: uma espécie da making of onde falo um pouco de como funciona o “Bullet Journal”, e partilho alguns recursos básicos para quem quiser explorar a coisa por sua conta e risco, ao mesmo tempo que eu própria continuo a “pensar em voz alta” e falo de como estou a usar a minha “agenda-bala” para recuperar, ou melhor, para destruir maus hábitos e construir novos rituais que me permitam usar os meus dias duma forma que me deixe mais satisfeita comigo própria, antes de mais. A intenção é progredir nesse tal processo de descoberta, de tentativa e erro, nem que seja para perceber se sou ou não capaz de fazer “isto”.

Até lá, deixo mais uma vez o convite para que me acompanhem – de mãos dadas, com uma palmadinha nas costas, ou com o dedo indicador em riste – e que partilhem também vocês o que fazem para usar melhor o vosso tempo. Também usam uma agenda? De que tipo? Usam uma em papel ou recorrem a ferramentas digitais? E a vossa relação com essas ditas “ferramentas de produtividade” – um chavão que me provoca arrepios mas que, à falta de melhor, é mesmo o mais adequado – também é de amor-ódio como a minha, ou é uma relação pacífica e de longa data? Não se acanhem e contem-me tudo! Eu agradeço. De coração.

Ana

PS: Também podem acompanhar as minhas andanças pelo Instagram, essa armadilha de distracções (quase) fatal para qualquer procrastinador que se preze, @amarelo.torrado e @anatorradinhas.

 

3 thoughts on “Psst… Vou contar-vos um segredo…

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